terça-feira, 9 de junho de 2009

A Balconista da Rua do Imperador


Todos os dias ela seguia o mesmo trajeto até o lugar onde trabalhava, a Rua Santo Imperador, número cento e vinte e três. Ali funcionava a padaria onde trabalhava. Entre pastéis, cafés, pães, sonhos ela ia vivendo, escrevendo a sua história e conhecendo tantas outras histórias.
Não era exatamente uma adepta da fofoca, mas as tramas se seguiam entre um suco e um rocambole de frios, entre dois pastéis folhados e dois cafés pequenos, entre um guaraná com xis, entre um pão só com manteiga.
Desde as sete da manha ela estava ali, sem nome, mas com um sorriso encantador dizendo, “as ordens!”. Seus dias se seguiam assim, sem que se perguntasse o que queria da vida, ou qual era sua vida, quais eram seus sonhos, para além dos sonhos recheados de doce de leite e chocolate que vendia.
Queria dizer que era bem casada, mas os únicos bem-casados que passavam e estavam em sua vida eram aqueles expostos no balcão da padaria. Os fregueses não sabiam os dramas que se escondiam por de traz daquele sorriso, nem de todo feliz.
Comentavam o quanto ela era simpática, o quanto – mesmo as sete da manha com aquele frio – ela estava alegre, satisfeita em atender ao freguês, em bem servir, em colocar tudo na bandeja e dizer: “O próximo, por favor!”
Ela escondia de todos os seus dramas mais íntimos e mostrava uma felicidade que a muito não lhe pertencia. Um felicidade roubada por escolhas, dela, que não eram mais suas.
Ela sempre se perguntava sobre a vida de seus fregueses, alguns iam religiosamente no mesmo horário, pediam a mesma coisa e sentavam no mesmo lugar. Muitos comiam e saiam apressados, outros de tanta pressa saiam comendo ainda. Outros, geralmente mais velhos, ficavam ali, mesmo depois de terminar seu lanche, olhavam os transeuntes e deixavam as horas passarem, sem alarde, sem dúvidas, sem certezas.
Ela admirava aquelas pessoas e pensava se um dia suas preocupações desapareceriam, seus problemas seriam resolvidos, seus caminhos abertos. Não que esperasse milagres, ao contrário, aos poucos sentia uma necessidade de se libertar.
Queria ser livre, era isso que pensava. Queria se libertar de um marido que a oprimia, que batia, que a traia. Desempregado, passava o dia em casa, esperando o pastel folhado e o doce que ela sempre levava e ele não valorizava. Tomava cervejas e comia, enquanto ela arrumava a casa com o estomago embrulhado e pensando em como fugir daquela situação.
Sabia que, ainda que não assumissem, muitas mulheres viviam naquela situação, cada vez perdendo mais o amor, mas se acomodando, sofrendo em silencio, apanhando em prontidão, sem reclamações, chorando sem ser notada, sempre sorrindo.
Aquele trajeto de sua casa, até a padaria era o único momento em que podia ser ela mesma, caminhava pela rua sem ser a mulher de um homem que não a amava, sem ser a balconista de uma padaria no centro.
Ela, Joana, podia ser ela mesma, uma mulher, com um coração a pulsar, uma mulher que queria amar, que queria ser amada, que queria ser desejada. Pensava no seu marido e no quanto o amor se perdia, se esquecia de brotar naquela relação que já não mais existia.
Chegava sempre no mesmo horário a seu lugar de trabalho, atendia praticamente as mesmas pessoas, elas pediam as mesmas coisas. Mas, um dia algo mudou. Era um dia como qualquer outro. O sol brotava no horizonte e o céu era azul, bem azul. Dentre aqueles fregueses já conhecidos, surgia um novo, um senhor de distinta aparência, com um encantador sorriso e um jeito delicado de ser e de pedir um café com leite e uma empada de frango.
O sorriso dele não era como o dos outros e ela não sorria como a balconista da padaria para ele, mas como Joana.
Estranhamente, seu coração batia como nunca antes, não sabia que seu coração podia bater tão rápido, parecia que ia explodir, sua face ruborizou e ela, naquele momento, se enamorou.
“Que homem é esse?”, pensou. Queria saber de onde ele era, o que faria ali. Ela acreditava que estava na casa de uns quarenta anos, tinha os cabelos já grisalhos, a face tranqüila, parecia de bem com a vida e mais, parecia olhar para ela.
Joana estava nas nuvens, era isso, ele estava olhando para ela. Ela apostaria que era um olhar de desejo, de vontade, de homem, um brilho no olhar que a muito ela procurava e não encontrava em seu marido.
Todos os dias o homem surgia na padaria, no mesmo horário e pedia coisas diferentes, nunca repetia seu pedido, mas repetia seu olhar, seu olhar me Joana, a mulher que lhe atendia, com um sorriso diferente e um encanto único.
Essa seria uma história simples, seria uma trama como qualquer outra, não fosse Joana ser casada, mal casada, apesar de adorar bem-casados. O homem, que olhava com desejo, olhava para aquela aliança e não se animava a falar com Joana, só com a balconista. Seus olhos, sim, esses falavam com Joana e ela; ela falava com aqueles olhos. Era uma paixão no olhar, uma paixão que não poderia se realizar.
Em casa, o marido cada vez se tornava a vida mais insuportável para Joana, ela esperava o dia amanhecer, a padaria abrir e o homem de sorriso fácil aparecer. Era sua alegria resignada.
Os anos se passaram assim, sempre da mesma forma, os cabelos do homem se tornaram mais grisalhos e rugas surgiram em sua face. Joana também envelhecia, o marido de Joana também envelhecia e se tornava mais calmo, menos insuportável, menos vivo.
A vida se seguia, mas seu coração sempre acelerava quando via aquele homem, aquele homem que sempre tinha um pedido diferente, que comia e olhava para Joana, com olhos enamorados.
Certo dia, o homem não apareceu, Joana esperou, achou que ele tivesse algum compromisso, quem sabe um exame de sangue? No outro dia, Joana esperou de novo, mais uma vez, mais uma vez e mais uma vez.
Os meses se passaram, o homem nunca mais entrou, mas Joana não desistiu... Dizem que quem passa na Rua do Imperador, numero cento e vinte e três, vê uma balconista com olhos cheios de esperança, envelhecendo aos poucos, mas com um coração que quer bater mais forte por aqueles olhos enamorados que não mais surgiram.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Da vinda e outras coisas...



Faz dias que não escrevo um texto e publico nesse blog. Tenho escrito pouco. Ando tomada de um sentimento de amor ao mundo que, por incrível que pareça, não tem um motivo essencial, apenas quero começar a olhar a vida com outros olhos, olhos que sejam mais doces e sinceros, que sejam mais humanos e fraternos, olhos que inspirem mais ações do que palavras.
Hoje fui dar aula com esse sentimento, mas não é da ida que quero falar, senão da volta. É de fatos então que quero comentar, de um daqueles dias que tem tudo para dar errado, mas a forma como olhamos impede e faz com que as coisas não se percam e o mundo continue com o colorido anterior.
Para aqueles que não sabem, trabalho em uma escola em Pelotas, uma escola que tem me feito muito bem, só escrevo sobre o que me faz mal. Então, ela é sempre poupada em minhas narrativas pouco perfeitas e feitas para mim.
Essa é outra coisa, não escrevo para os outros, escrevo para mim, para descarregar o que há de inconstante, efêmero, triste, sombrio, mau em mim. Escrevo para que me torne uma pessoa melhor, assim, não preciso de leitores, sou a leitora de mim mesma, a profanada leitora de textos pouco formatados, pouco coesos, pouco coerentes, textos alegres e tristes, textos contraditórios que refletem a alma de quem escreve,
Esse texto se pretendia engraçado, mas tomou um outro rumo.
Queria contar a graça que foi minha volta para casa hoje, vou continuar fazendo isso...
Complicada a coesão e coerência, cada vez se perdem mais...
BUENO,
As 12hs30min, como acontece quase todos os dias, embarquei no ônibus da Empresa Embaixador com minha passagem Pelotas –Quinta que me dava direito a um assento, cujo número era o 28.
Sentei-me no corredor ao lado de um sujeito, o qual atenção não prestei, acredito que estivesse lá pela casa dos 40 anos e lia algo que não sei do que se tratava.
Logo adormeci, sempre durmo em ônibus, até ai não havia nada de fora da rotina em meu trajeto, fora o calor em meados de agosto.
Lá pela ponte de Pelotas já estava dormindo, nem lembro do trajeto, depois desse momento inicial a única coisa que lembro é que o ônibus estava passando em frente ao presídio da Quinta e eu já havia passado várias paradas de onde deseja descer, ou seja, na rodoviária, onde meu carro estaria estacionado, me esperando.
Puxei a cordinha e desci, o motorista me perguntou se era naquela parada mesmo, disse que sim, ele me disse que se eu tivesse puxado o sinal antes ele teria parado melhor. Achei melhor não argumentar e dizer que: -Meu senhor eu queria era descer umas cinco paradas para trás,
Desci, naquele sol de início da tarde e com vontade de chegar em casa, para não dizer outra coisa.
Mas vejam, nem tudo estava perdido, a parada onde desci tinha um banco para sentar, ainda que no sol. Parei e pensei que nem tudo estava perdido e que poderia ter sido pior.
Esperei ali sentada vendo os carros passarem, até que passou um ônibus Quinta e eu mais um vez iniciei meu movimento para chegar até ela – a Quinta.
Cheguei, desembarquei posto que antes embarcada estivesse e, tal não é minha surpresa quando chego perto do carro, mais um surpresa. Um pneu furado. Eu paro e penso: o que eu fiz de errado??
Mas não me desespero, afinal, eu quero começar a olhar o mundo com outros olhos. Vou até o borracheiro e depois de uma meia hora o pneu está pronto e posso voltar para casa.
Consegui fazer isso tudo sem sentir raiva de nada, nem de ninguém, começo a achar que muito do mundo é feito por nós e pelos olhos que olhamos...
Eu só peço a Deus, parafraseando a música, olhos mais humanos, para que eu possa ser mais feliz...

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Das letras, das palavras e dos dilemas humanos...


As letras nem sempre se juntam, as palavras nem sempre se cruzam e assim, os textos nem sempre se formam.

Há tanto que ela precisava escrever, havia tantos textos que ela precisava ler e assim, poder entender.

De todas as coisas que há no mundo pouco ela conhecia e, desse modo, pouco podia ser.

A folha em branco pedia para ser preenchida, mas não seria qualquer letra que poderia ali ser posta. Era uma fala que ela queria empreender e idéias que queria, mais do que isso, precisava defender.

Nossa vida não é o forjar de uma existência qualquer, mas o fruto do que eminentemente escolhemos, é o resultado dos caminhos que tomamos e das condições em que existimos.

E ela, ela não podia ser outra senão aquela, com suas perdas, seus ganhos, seus projetos, seus desencantos, seus espaços vazios.

Não sabia ao certo o que iria acontecer, nem o motivo de suas intenções e isso fazia com que se sentisse perdida. Mas não era uma perdição no mundo, era uma perdição nela mesma. Era um perdição difícil de superar, porque interna, entranhada em sua existência.

Sua existência era um mar revolto, seu amor uma vírgula mal colocada, sua dúvida uma exclamação e seu futuro uma interrogação, ou uma série de interrogações.

As perguntas sem resposta a imobilizavam e os passos que outrora não dera lhe cobravam, lhe interpelavam e não a deixavam seguir.

Na encruzilhada que se encontrava não sabia para onde seguir, queria escrever, mas as palavras fugiam e na vasta imensidão da folha em branco suas lembranças se perdiam na perdição de sua vivência, conturbada e terna vivência.

domingo, 3 de maio de 2009

Tu... Oposto de mim, igual a mim...


Tu não entendes nada do que eu calo,
Tu não sabes nada do que eu sinto e não ouves nada do que eu falo.
Tu não me amas e mesmo que me amastes eu não poderia te amar.
Tu não sabes nada sobre as coisas que eu penso e queres saber sobre o que sinto.
Minhas loucuras intimas e meus atos patológicos fogem do teu alcance.
Tu és sombra, eu sou luz.
Tu és iluminação, eu sou treva.
O léxico e a linguagem que se misturam não dão conta de mostrar o que somos.
Sou toda poesia e tu prosa.
Sou o texto rígido e tu, tu és o poema bonito.
Sou o gelado, és o frio.
Sou a chaleira quente e tu, tu és o sorvete gelado.
Sou a parede fria e tu o vulcão em erupção.
Sou o fogo e tu, tu és o que não arde...

Contando histórias acontecidas e imaginadas...




O caso do nome esquisito






Astrolonio era seu nome. Ele não gostava de ser chamado assim. Desde pequeno era Lolo. Aos sete anos, como todas demais crianças de sua rua foi para a escola pela primeira vez. Primeira série do Primário. Ele é da época em que existia o primário.
A professora, uma mulher esguia e magra de assustadores óculos ondulados, ao fazer a chamada falava aquele nome: Astrolonio.
O Lolo se calava, não era aquele seu nome. Passou um mês e Astrolonio estava com faltas, Lolo não existia naquela sala de aula de crianças de olhos brilhantes e sedentos por saber, por conhecer, por aprender.
A professora, certo dia, se dá conta: falta um. Faz e refaz a chamada e suas contas. Lá pelas tantas pergunta:
- Quem é Astrolonio?
O riso é geral, aquele espantoso nome se destaca a mesmice de Luiz, José Antônio, Carlos, Mariana...
A professora pergunta, então, àquele menino de olhos tristes e expressão angustiada qual seu nome.
- Lo...Lolo! Professora
A professora para, olha em volta, vê que o riso se forma e não sabe muito bem como agir.
Estava diante de Astrolonio, uma mistura de Astro, com Antônio? Pensa ela.
Não, reflete mais adiante. Sabia que aquele nome teria relação com os Astros, teria talvez alguma relação com a Polônia? Difícil saber...
Sem saber ela escreve na chamada:
27 – LOLO
O menino passa a existir.
NÃO EXISTIA ANTES?
Quem é Astrolonio?
Quem é Lolo?
Quem sabe um dia saibamos o que aconteceu depois desse dia em que ele se tornou, oficialmente Lolo...

Sobre Caminhar, Sentir e Pensar


Um homem caminha pela rua, caminha e pensa, pensa e caminha.
Seria possível caminhar sem pensar, pensa o homem. Pensar no que vê e no que sente.
Vê um mundo que não é mais o da sua infância. Casas que crescem – cada vez mais para cima – como se quisessem alcançar o céu. O céu cada vez se distância mais e ele cada vez se sente mais longe de tudo, mais longe de todos...
As ruas por onde passa trazem movimentos cada vez mais rápidos, todos parecem atrasados e no afã de chegar na hora não percebem o mundo que os rodeia.
A beleza das flores, que já não existem mais; das árvores, que deram lugar a estacionamentos não podem mais ser vistas, todavia são sentidas. São sentidas por aquele homem que a muito anda, que a muito perdeu a direção do seu andar, mas não o encanto de seu pensar.
O mundo cada vez mais louco, as pessoas cada vez menos humanas, os sonhos cada vez mais imediatos e as relações cada vez mais efêmeras em meio a sons que se distinguem por sua robustez, da frágil respiração daquele homem.
Ele caminha, caminhando pensa. Vendo e sentindo ele vai por entre um mundo cada vez menos seu, de pessoas cada vez menos reconhecíveis.
Suas memórias são de tempos outros, ruas outras, roupas outras, ritmos outros e seus sonhos são os possíveis em um mundo que, por mais que pense, não compreende. Por mais que viva não conhece, por mais que sinta, não se materialize em experiência.
Por esse mundo, ele se cruza com pessoas tantas, com cenas comuns e incomuns, mas é tudo rápido e efêmero e quando ele se dá conta, já foi e ele, ele ficou, caminhando, pensando, vendo e sentindo.